As propriedades biológicas e funcionais de uma célula são determinadas pelo conjunto de proteínas expresso em um momento fisiológico qualquer. O genoma é o conjunto informacional contido no DNA. O transcriptoma é o conjunto de RNAs presentes, ao passo que o proteoma representa o conjunto de proteínas responsáveis pela execução das atividades biológicas. As reações que estão ocorrendo e os produtos e intermediários metabólicos que estão sendo produzidos constituem o metaboloma.
Para que os eventos necessários ao funcionamento do organismo possam ocorrer de forma adequada e correta, diversos mecanismos de regulação necessitam estar ativos, permitindo que os produtos gênicos sejam gerados pelas células certas, nos momentos certos e nas quantidades adequadas. Desta forma, o conceito de regulação da expressão das informações invariavelmente tem características espaciais (local no qual ocorrerá a expressão), temporais (momento em que ocorrerá a expressão) e quantitativas (em que quantidades o produto deverá ser expresso).
Neste aspecto, a regulação da expressão gênica nos eucariotos é bem mais complexa que em procariontes, contando com os mais diversos mecanismos para assegurar a precisão do processo de modulação. As diferenças básicas entre os sistemas de regulação procarionte e eucarionte são:
- as bactérias possuem apenas um tipo de RNA polimerase, ao passo que as células eucariontes possuem 3 tipos (RNApol I, RNApol II e RNApol III);
- os RNA mensageiros são processados nas células eucariontes, sofrendo modificações em suas extremidades;
- a RNApol II, responsável pela síntese do mRNA, tem um grau de complexidade funcional muito maior em eucariontes que em procariontes, como ilustrado na figura abaixo.
Algumas proteínas especiais são necessárias para a transcrição em eucariotos, sendo os principais elementos associados ao processo de regulação da transcrição. Estas proteínas são os fatores transcricionais. Os fatores trasncricionais são capazes de modular o funcioonamento genético por apresentarem uma das seguintes capacidades:
- presença de domínios de ligação ao DNA;
- presença de dominios de interação a proteínas que se ligam ao DNA;
- presença de domínios funcionais associados à condensação do DNA.
Regulação da expressão gênica em procariontes
O modelo de organização gênica de procariontes é um arranjo no qual diversas sequências codificadoras estão sob controle de um único promotor, gerando um mRNA que contém várias informações. O sistema é denominado OPERON e o mRNA formado é dito policistrônico. Em um operon identificamos basicamente 3 elementos: o promotor, que é a sequência reconhecida pela RNA polimerase como delimitador do início da informação à ser transcrita; o operador, uma sequência adjacente ao promotor e que tem um papel na determinação da acessibilidade ao promotor; e os genes estruturais, que são as sequências codificadoras e podem variar em número de 2 a 20.
A funcionalidade do operon é determinada por uma proteína reguladora (também chamada proteína regulatória ou repressora), codificada em um outro locus e que possui capacidade de se ligar à sequência operadora. Havendo ligação da proteína reguladora ao operador, o RNA polimerase fica incapacitada de reconhecer a sequência do promotor, e, desta forma, não consegue realizar a transcrição. A proteína reguladora pode ser sintetizada em duas formas: ativa ou inativa. Dependendo do estado no qual ela é sintetizada teremos os dois tipos básicos de funcionamento do operon: os operons de indução e os operons de repressão.
Em um operon de indução, a proteína reguladora é produzida na forma ativo, ou seja, capaz de reconhecer e se ligar ao operador. Neste caso, a proteína reguladora somente perde a capacidade de se ligar ao operador em presença de uma molécula coadjuvante, denominada indutor. Desta forma temos duas situações: i) sem a presença do indutor, a proteína reguladora se liga ao operador e impede a transcrição ou ii) em presença do indutor, a proteína reguladora perde sua afinidade pelo operador, que permanece livre e permite que a RNA polimerase realize a transcrição.
Já nos operons de repressão, a proteína reguladora é produzida na forma inativa, ou seja, incapaz de reconhecer e se ligar ao operador. Neste caso, a proteína reguladora somente ganha a capacidade de se ligar ao operador em presença de uma molécula coadjuvante, denominada co-repressor. Desta forma temos duas situações: i) sem a presença do co-repressor, a proteína reguladora não se liga ao operador e a RNA polimerase realiza a transcrição ou ii) em presença do co-repressor, a proteína reguladora ganha afinidade pelo operador, impedindo que a RNA polimerase realize a transcrição.
O operon lac possui os genes relacionados ao metabolismo da lactose. São três genes sob controle de um mesmo promotor: o gene da beta galactosidase, da transacetilase e da permease. Seu funcionamento é modulado por dois eventos: a indução realizada pela lactose e a repressão realizada pela glicose. Para o funcionamento (transcrição) do operon lac, é necessário que a lactose esteja presente no meio, de forma a inibir a atividade da proteína reguladora ao se ligar a ela. Entretanto, caso a glicose esteja presente, temos uma situação particular. A glicose é o açúcar preferencial do metabolismo das células, que expressam os genes responsáveis pela via glicolítica de forma constitutiva. Sendo assim, sempre que houver glicose, ela será utilizada primeiro para a célula obter energia. Para realizar o controle da expressão dos genes relacionados ao catabolismo de outros açúcares, a glicose age sobre uma enzima denominada adenilato ciclase. A adenilato ciclase é responsável pela formação de AMP cíclico (AMPc), um importante mensageiro metabólico intracelular. O AMPc é responsável, dentre outras coisas, por ativar uma importante proteína relacionada à transcrição de genes relacionados ao catabolismo celualar, a PAC (ou CAP - catabolic activator protein - proteína ativadora do catabolismo). Em presença de glicose o AMPc não é formado e, como consequência, a PAC não é ativada. Assim, a RNA polimerase não é capaz de transcrever eficientemente os genes relacionados aoo catabolismo. Isto interfere no operon lac, que está relacionado à degradação da lactose. Assim, em presença de glicose e ausência de lactose, o operon lac está inativo devido a 2 motivos: a proteína repressora está funcionando e a proteína PAC não.
Em presença de lactose e ausência de glicose, o operon lac está ativo, pois a proteína repressora está inibida e a proteína PAC ativa.
Caso nenhum destes dois açúcares esteja presente, o operon lac está inativo, pois a proteína repressora encontra-se ligada ao operador e, mesmo com a proteína PAC ativa, não há possibilidade da RNA polimerase se ligar ao promotor.
Por final, em presença de ambos os açúcares, a transcrição será baixa, pois, apesar da proteína PAC estar inativa, a proteína repressora encontra-se inibida, liberando o promotor para eventuais ligações da RNA polimerase.
Regulação da expressão gênica em eucariontes
O processo de regulação da expressão dos genes em células eucarióticas é muito mais complexo, podendo ocorrer em diversos níveis (estrutural, transcricional, pós-transcricional, traducional, pós-traducional). Para simplificar, abordaremos o modelo transcricional, que possui duas principais estratégias: a regulação permanente e a regulação transitória.
A regulação permanente ocorre quando há uma modificação no DNA que altera de forma definitiva suas propriedades de expressão. Dois exemplos são comumente citados: a recombinação somática, na qual os segmentos gênicos que irão estruturar os genes relacionados à síntese de importantes proteínas do sistema imune, as imunoglobulinas e os receptores de célula T.
O outro exemplo é a inativação do cromossomo X nas fêmeas. O processo, que ocorre a partir do centro de inativação do cromossomo X, é bastante precoce no desenvolvimento, ocorrendo por volta da segunda semana da embriogênese. Neste momento, um dos cromossomos X é inativado, em um processo de compensação de dose dos produtos gênicos codificados pelos mais de 1000 genes localizados no cromossomo X. Após ser metilado, o cromossomo inativo permanece condensado, podendo ser observado sob microscopia óptica na forma do corpúsculo de Barr ou cromatina sexual.
A regulação transitória pode ocorrer de forma direta, quando a molécula sinalizadora tem propriedades hidrofóbicas e consegue atravessar diretamente a membrana, levando sua mensagem ao interior da célula, ou de forma indireta, quando a molécula sinalizadora possui características hidrofílicas e necessita de um receptor transmembrana para conduzir sua mensagem ao interior da célula. A percepção do sinal pelo receptor desencadeia uma série de reações no interior da célula, culminando com a atividade genética modulada.